Soneto
Atualizado: 25 de set. de 2022
Poeira quase pólen
me avisava do vento:
a terra se sacode
por não ser firmamento.
Igualzinho eu também
pensando sobre o tempo
que devagar nos cobre e
leva ao descobrimento;
tempo que sopra leve
nossos corpos pesados
em vão debatimento,
em lento sobrar breve,
protestando calados
contra o seu sopramento.
II
Sei que o que nos carrega
por aí, bem levados,
às vezes mostra e entrega
o motor de seus laços,
o ar pelo qual nos pega
soltos, mas amarrados
na inconstância dos passos
como uma perna cega.
Descubro tais amarras,
partículas de pó
meio chumbos, meio penas
meio chaves, meio garras
somente quando, só,
permito que ajam plenas.
III
Assim também palavra
voando no papel
(calor do nó da asa
que congela seu céu)
vai ziguezagueando,
borboleta sem mel,
por um espaço ao léu...
Um pedaço de humano
anseio de ser estrela
a brilhar repentina,
mas chora triste e bela
de não ser, nunca, eu,
só folha peregrina
que a árvore perdeu.
Fernando Cabral, Joaçaba, Santa Catarina