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A Gramática, a Redação e a Dor

Atualizado: 27 de dez. de 2022

Breve reflexão sobre o ensino da gramática em sala de aula

Por Herbert Bandinni

A aprendizagem da escrita é hoje um dos maiores desafios enfrentados por estudantes de todos os níveis de escolaridade. Já ouvi expressões do tipo "prefiro ficar doente a escrever uma redação". A expressão escrita assusta, faz adoecer, incomoda e reprova anualmente milhares de alunos de cursos médio e superior ou pretendentes a vagas em faculdades e universidades.


Muitos imaginam que o exercício da escrita é tarefa estritamente reservada a escritores ou a profissionais de áreas afins como a do jornalismo ou das Letras. Todos os demais profissionais - médicos, advogados, diretores de escolas, pedagogos, entre outras categorias - estariam livres da obrigação de saber escreve, e bem. O domínio da escrita é tarefa indispensável à ascensão de qualquer profissional em suas respectivas áreas. Imaginar que advogados, professores ou pedagogos não saibam escrever nos leva a interrogar por quais motivos eles interromperam o seus processos de alfabetização.


A palavra é o pão nosso de cada dia, quer seja ela oral ou escrita. Ela se fez carne e habitou entre os homens. O maior símbolo do mundo civilizado, sem dúvida, é a linguagem em suas múltiplas formas. Depois do fogo, o domínio da fala e da escrita é seguramente a maior descoberta da humanidade. Aquele que não sabe escrever não conhece a língua com a qual se comunica. Falar, ouvir, ler e escrever são quatro modalidades requeridas no decurso da aprendizagem de qualquer idioma. A falta de domínio em qualquer uma dessas modalidades necessariamente nos colocará na condição de semianalfabetos ou analfabetos funcionais.


Se o conhecimento da escrita é uma necessidade imperativa no mundo moderno, quais são, então, os fatores que condicionam o fracasso escolar da aprendizagem desse tipo de comunicação?


Eles são inúmeros e não há como mencionar todos em um pequeno artigo como este. Poderíamos apontar como causas a má formação do professor, a falta de incentivo à leitura, a forte marca da oralidade presente em nossa cultura... No entanto, um deles merece destaque: o ensino da gramática enquanto disciplina e a sua relação com o texto escrito produzido a partir de cursos e aulas de produção de texto, as assim conhecidas aulas de redação.


Muitos pensam - e eu já incorri neste erro - que a gramática é, analogamente, um livro de receitas de bolo. Já publiquei até mesmo artigo defendo essa analogia entre gramáticas e receitas de bolos. Ao contrário das receitas, que em grande proporção ajudam no feitio de bolos e alimentos, a gramática, neste particular, não serve para orientar o aluno, de forma segura e inequívoca, no processo de produção de textos.


É comum encontrarmos escritores que afirmam, de forma contundente, não conhecer conscientemente a maioria das regras gramaticais. O brasileiro Luís Fernando Verissimo, por exemplo, é um deles: em entrevista, declarou que não as conhece e acha estranho trabalhar com elas. Quando se trata de Verissimo, estamos falando de um dos maiores escritores de nosso tempo, homem respeitado tanto pela crítica e quanto pela opinião pública. Um conhecedor e produtor de linguagens escritas.


Um das formas de se conceituar gramática (existem várias) é defini-la como o conjunto de normas e de regras voltado para o auxílio da produção da língua escrita. Nesse sentido, ela seria uma espécie de manual norteador para a produção de bons textos escritos. Por esta definição, conhecer suas regras, estudá-las com afinco, passaria a ser condição prioritária para aspirantes a escritores, poetas, romancistas, jornalistas... Bem sabemos que isso não é verdade: o Verissimo não nos deixa mentir.


Conheço excelentes professores de português que são incapazes de escrever qualquer texto. Em sua prática de sala de aula, não conseguem estabelecer relação alguma entre o conhecimento gramatical e a técnica redacional. O conhecimento da gramática é colocado à parte, dissociado da escrita. Ao aluno, quase sempre, é apresentado um conhecimento estanque, distante de uma interdisciplinaridade que se faz necessária entre a regra gramatical e a técnica redacional. Se essa ponte entre gramática e redação não for estabelecida, certamente o estudante não será capaz de produzir nenhum texto, muito menos, bons textos.


Ainda: muito conhecimento gramatical que se ensina ao aluno carece de certa utilidade. Cabe ao professor distinguir o que é útil e o que inútil, em termos de língua, a ser ensinado ao aluno. Sei que, para muitos, assim falar causa arrepios: o útil e o inútil em termos de língua depende, em grande parte, da intenção comunicativa e de tantos outros fatores que envolvem o ato comunicativo. Não sei se em Portugal, mas, em terras tupiniquins, revistas e jornais de circulação nacional, há muito, não divulgam suas notícias fazendo uso de mesóclises do tipo “Os leitores sentir-se-iam mal se lhes faltássemos com a verdade”. De igual forma, faz tempo que nós, brasileiros, não fazemos uso - tanto na escrita quanto na leitura - do pronome vos e vós, de terceira pessoa do plural. Gerações inteiras de estudantes somente conhecem esse pronome consultando gramáticas ou lendo textos antigos. Brasileiro algum, de qualquer classe social, a não ser em situações excepcionais, jamais deles se servirão para se comunicar em linguagem escrita: entre tantos outros, já são arcaísmos presentes na língua portuguesa falada no Brasil. E o aluno ainda é reprovado em exames e vestibulares por não saber que vos é um pronome de 2ª pessoa do plural, que se aprende na escola e é exigido em provas de concursos públicos. Apesar de ser necessário para determinados estudos da língua, sobretudo os diacrônicos e a sua importância para a compreensão de textos antigos, saber de sua existência e uso não o ajudará, num primeiro momento, a escrever melhor.


Não quero, com esta reflexão, demonizar a gramática e abandonar sua instrução em escolas regulares. Muitos assim têm agido, afirmando ser o ensino da gramática uma opressão. Quanta baboseira.

No entanto, é preciso mesmo, sobretudo metodologicamente, encontrar saídas para o ensino gramatical que, como vimos, mostra-se bastante falho há muito tempo. Foi, em parte, pensando em todas essas dificuldades envolvendo o ensino da língua e da prática da escrita que eu criei o P’Artes Mecenato (https://www.partespalavraearte.com), um projeto ambicioso que intenciona contribuir, mesmo que de maneira modesta, para o enfrentando de parte desses problemas. Convido vocês a conhecê-lo melhor e, se possível, a divulgá-lo entre seus amigos e conhecidos. Muito é preciso ser feito para realizar aquele sonho do já saudoso professor Olavo de Carvalho: criar ou reconstruir a alta cultura em nosso país. Que difícil. Que Deus nos ajude. Desde já, agradeço a sua ajuda.

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