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Poema

Para que o poema lírico

funcione como um eu-Deus,

e reze sincero os erros

de criação no paraíso,

é necessário o intimismo

único do sentimento,

um pouco de misticismo

porque somos brasileiros,

um amor não entendido

- universal esse anseio -

e a união com tudo vivo

quando se é cada vez menos.


Para que o poema lírico

trabalhe o que se lhe deu,

e surja inteiro seu tema

como a ligadura linda

que em versos aconteceu,

é sempre por (é preciso!)

o calor para o braseiro,

dor para o que foi ferido,

um inteiro para o meio

e um lugar para o escondido

da canção surgir sendo

o que se quis: dom sereno.


Para que o poema lírico

seja enfim viver ameno,

seja ser o quase cheio

diante de tanto vazio

é necessário um ritmo,

a música dos momentos

cantando o verbo divino

com o louco desatino

de quem almeja o primeiro

lugar entre os esquisitos

passatempos de algum peito:

comunhão com Jesus Cristo

dádiva de hóstias ao tempo.


Para que o poema lírico

ore pela perda e doa

doando o perdão de um verso

_ palavra, criança mínima

que a própria letra adivinha -

há que se negar-lhe o unguento,

tirar-lhe os arrependimentos

e essa auréola macia

dos choros de travesseiro,

olhar a versão mais feia

dos possíveis imprevistos.

Monstros embaixo do leito.


Para que o poema lírico

morra e ressuscite certo,

sendo o corpo em seu reverso

sendo as carnes em voz mítica,

em árias de ausências vindas,

há que se enterrar no vento

aquilo que se abre contendo

as sementes de outra lira,

poros em quentes feridas

e alguma coisa do jeito

calmo de aceitar abismos

na altura do chão estreito.


Para que o poema lírico

enfim, termine seus ecos

minimamente por perto

do cérebro e seus ouvidos

afinados aos ruídos

simples dos penhascos tensos,

que se dome o ondar extenso,

que se suma o andar da rima,

que se some ao som a digna

forma, e longe do trejeito

falso e sonoro do enigma,

que clareie o grito preto.


Fernando Cabral - Joaçaba, Santa Catarina.

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